19/10/2023 – 15:45  

Especialistas ouvidos no seminário “As altas habilidades e a educação”, realizado na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (19), ressaltaram a necessidade de promover o atendimento individualizado dos alunos superdotados, além da capacitação dos professores para atendê-los. O evento foi promovido pela Comissão de Educação da Câmara, em conjunto com o Senado Federal. 

Autora do pedido de realização do seminário, a deputada Soraya Santos (PL-RJ) lançou alguns pontos de preocupação, como o próprio reconhecimento das pessoas com altas habilidades. “O primeiro passo é a avaliação se tem altas habilidades, em que área, em que nível. Quem é a melhor pessoa para avaliar esse aluno que tem esse potencial?”, questionou. “As pessoas pensam que é só um dom, mas não, é um dom que também traz sofrimento, porque a pessoa não se sente inserida”, frisou.

Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Soraya Santos: “As pessoas pensam que é um dom, mas também traz sofrimento”

A senadora Professora Dorinha Seabra Rezende (União-TO), que também pediu o seminário, chamou atenção para a necessidade de as escolas estarem preparadas para acolher e entender que as pessoas aprendem de forma diferente.

“O país precisa enxergar que não pode continuar excluindo nem as pessoas que precisam de um atendimento diferenciado na educação especial, com deficiência, e muito menos aquelas que precisam mais da escola e podem ajudar muito a escola. O maior desafio nosso é organizar isso do ponto vista de política pública permanente de financiamento, de formação, de organização”, disse. 

Estima-se que hoje existam cerca de 26 mil estudantes com altas habilidades ou superdotados no Brasil, mas esse número pode estar subestimado. A psiquiatra Camila Nicolucci observou que muitas crianças chegam ao consultório com diagnóstico de transtornos mentais, como déficit de atenção e hiperatividade, depressão ou transtorno do espectro autista, mas na verdade têm altas habilidades ou superdotação.

Atendimento individualizado
Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Curi salientou que, mesmo os estudantes superdotados ou com altas habilidades representando um percentual baixo do total de alunos, o caso deles não pode ser tratado como menos relevante. Conforme ele, esses estudantes devem ter atendimento individualizado, além do atendimento coletivo em sala de aula.

Ele informou que o CNE votará, em dezembro, resolução com diretrizes específicas para estudantes com altas habilidades, que inclui processos de caracterização e de capacitação das altas habilidades e planos de desenvolvimento escolar específico e individualizado, além da adequada formação dos professores. Segundo ele, todos os professores devem estar capacitados para a educação dos estudantes com altas habilidades, e não apenas alguns. 

Representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Aberson Carvalho de Sousa salientou que tem havido um processo muito mais de segregação do que de inclusão dos estudantes com altas habilidades, por conta da falta de preparo das escolas e professores para lidar com eles. 

A representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Maria Virginia Rocha, também defendeu um olhar individualizado para cada estudante, com capacitação dos professores para isso. “Eles precisam deixar de ser invisíveis dentro do processo educacional. Esses alunos precisam estar matriculados em classes comuns, mas ter um auxílio da equipe técnico-pedagógica”, apontou. Segundo ela, também é necessária orientação pedagógica para as famílias. 

Impactos da superdotação
O estudante universitário Matheus Carvalho, que é superdotado, contou que desde a infância teve muita dificuldade com a escola – por exemplo, com as lições repetitivas. O histórico escolar dele foi “péssimo, com notas baixas”, e ele disse que teve vários conflitos com professores e dificuldades de convivência com os colegas. A superdotação só foi descoberta no fim da adolescência, após ele ter repetido de ano e ter sido alvo de bullying.

“Eu já fugi da sala de aula, acabei tendo separação dos amigos, porque a gente não consegue conversar na mesma língua e isso é muito chato. Você tem muito mais conectividade com os adultos, com a sua família, porque eles te entendem melhor”, disse.

“Por volta dos 13 anos, eu pesava 115 quilos, porque eu tinha compulsão alimentar, e foi o fundo do poço para mim não ter esse atendimento, esse conhecimento do que é a superdotação, do que é esse viver, que é um viver diferente. E desde então eu comecei a ter uma piora no quadro emocional. Eu não conseguia passar uma hora na escola sem ter um ataque de pânico”, relatou. 

Professora e mãe de estudante com altas habilidades, Aline Machado dos Santos ressaltou que a história de Matheus se repete e que é preciso promover a inclusão. Segundo ela, são poucos os profissionais habilitados para lidar com pessoas com altas habilidades, há muitos erros no diagnóstico e na prescrição de medicação, com diversas crianças e adolescentes inclusive tentando suicídio.

“Meu filho com 7 anos passou por sete escolas, viveu coisas terríveis”, relatou. “Altas habilidades não é talento, é um todo. Um sujeito que tem emoções, que tem sentimentos, que tem subjetividade”, completou. “O meu filho já fez três avaliações, ele tem convênio, tem atendimento, só que é uma minoria. A gente quer política pública. A gente quer que todos e todas tenham o direito de inclusão, de identificação”, acrescentou. Para ela, é preciso investimento, capacitação de profissionais, além de mudar currículos.

De acordo com a professora Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Denise de Souza Fleith, entre as práticas que favorecem o aluno com altas habilidades estão a diferenciação curricular, a aceleração escolar, o enriquecimento curricular e a mentoria. “O estudante precisa do apoio da família e da escola para seu desenvolvimento”, reiterou. Ela alertou que não é a superdotação que gera problemas emocionais, e sim o ambiente não adequado para receber esse aluno. 

Reportagem – Lara Haje
Edição – Ana Chalub