Frito, cozido, mexido, processado e usado em milhares de receitas. O brasileiro nunca comeu tanto ovo. Com o aumento desenfreado do preço da carne, a queda de poder de compra da população, e a mudança de hábito trazida pela pandemia com mais gente se alimentando em casa, o ovo está longe de ser um coadjuvante na mesa da população. No ano de 2020, cada brasileiro comeu 251 ovos. É um volume recorde. Há 20 anos, o consumo anual de cada cidadão era de 94 unidades. Dez anos atrás esse número subiu para 148 ovos.
Hoje, o brasileiro come mais ovos que a média do cidadão mundial que é de 230 ovos por ano. O alimento, que até poucos anos atrás figurava entre os vilões da saúde, condenado pelo teor de colesterol, migrou para as páginas da alimentação saudável. A indústria e as galinhas fizeram sua parte, com nada menos que 1.500 ovos por segundo produzidos no Brasil. As chamadas “poedeiras”, como são conhecidas as galinhas nas granjas, entregaram 53 bilhões de ovos em 2020. Neste ano, a produção deve chegar a 56 bilhões de unidades.
Com o volume recorde de consumo e alta de preços nas gôndolas do supermercado, tudo indicaria que a vida do produtor nacional de ovos já está ganha. Mas a coisa não é bem assim. Ironicamente, a indústria de ovos vive, atualmente, entre a cruz e a espada, devido ao preço do milho e do farelo de soja, a ração dos animais, insumo que responde por mais de 81% do custo de produção da proteína.
Em abril de 2020, uma saca de 60 quilos de milho era comprada, no Paraná, por R$ 46. Hoje, essa mesma saca custa R$ 98. São 110% de aumento. Nesse mesmo intervalo, o preço do ovo praticado pelo produtor registrou alta de 19%. É o “efeito China”, que tem determinado o preço do ovo frito que chega ao prato feito do cidadão.
“Vivemos realmente uma fase recorde de consumo e isso é bom. Mais de 50% da população brasileira reconhece o ovo como o segundo melhor alimento, depois do leite materno. Fomos declarados como serviço essencial para não deixar faltar comida na mesa da população. Mas houve um salto especulativo dos insumos que está prejudicando muita gente”, diz Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). “Hoje, vemos produtor que tem operado com margem negativa, por causa do preço desses insumos, que tem dado férias coletivas e reduzido a produção.”
Em 2020, o valor bruto de produção de ovos chegou a R$ 19,1 bilhões. A previsão é de que haja um aumento de 5,2% neste ano, com movimento de R$ 20,1 bilhões, estima a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq) da Universidade de São Paulo acompanha a evolução do mercado de ovos no País, desde 2013. A analista de mercado de ovos do Cepea Juliana Ferraz, conta que o preço no atacado nunca havia registrado uma alta como a atual. Ainda assim, os reajustes não foram suficientes para limitar as perdas acumuladas ao longo do ano. Os custos de produção, que já estavam elevados em 2019, entraram em 2020 em uma espiral de alta sem precedentes, reduzindo o poder de compra dos avicultores. Em novembro do ano passado, chegaram ao pior patamar já registrado em toda a série histórica.
Na média de 2020, o preço do milho subiu 49% ante 2019, enquanto a saca de farelo de soja saltou 54%, ao passo que os ovos tiveram aumento médio de 23% no ano. “Os preços estão batendo recorde e nunca se consumiu tanto, mas têm outros fatores que devem ser considerados. Esse mercado é muito dinâmico e essa condição não significa que todo o setor esteja bem”, diz Juliana.
Medidas
O repasse é automático, sempre, e cabe ao consumidor pagar a conta. O setor produtivo já vê novos aumentos como inevitáveis e cobra medidas do governo para tentar reduzir a pressão dos insumos, que hoje são pautados por preços internacionais, como ocorre com os combustíveis, por exemplo.
Uma das pautas é a isenção de PIS/Cofins sobre as transações nacionais de compra de ração. Hoje, um importador de farelo e milho está isento desses impostos, enquanto um produtor nacional tem de pagar a conta. “É claro que não somos contra a exportação de grãos, mas é preciso viabilizar nosso negócio no Brasil. Hoje vivemos uma situação em que o nosso concorrente externo compra milho brasileiro mais barato que o produtor nacional”, diz Santin, da ABPA.
Outra demanda é que os produtores tenham acesso, antecipadamente sobre as projeções nacionais de compra de grãos, para que possam se organizar e antever grandes saltos especulativos. “Em muitos países isso já é feito. O que estamos pedindo é acesso a informações”, comenta o presidente da ABPA, que busca uma reunião com a Casa Civil da Presidência da República para tratar do assunto.
Duas semanas atrás, a BRF, que é a maior produtora de aves do País, decidiu reagir aos preços nacionais da ração e anunciou a compra de milho da Argentina e do Paraguai, onde encontrou insumo mais barato que aquele plantado no Brasil.
Ovo, preferência nacional
Nos idos de 1987, Leandro Pinto era um garoto de 19 anos, dono de um Fiat Uno, um carnê infindável com parcelas para pagar de um caminhão e uma loja de equipamentos agrícolas falida. Mal tinha começado a vida de empreendedor, e estava quebrado. Já tinha tentado de tudo para ganhar algum dinheiro na pequena Itanhandu, cidadezinha de 15 mil habitantes localizada na junção de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Quando menino, já tinha lavado carro, varrido quintal de vizinhos, sido office-boy. Chegou a montar uma fábrica de carroça para cavalos, mas deixou o negócio logo. Leandro fazia de tudo, só não gostava de estudar. Com esforço, os pais conseguiram que cursasse até a 8.ª série e um curso técnico de mecânica. “Queriam que eu fosse doutor. Não teve jeito”, conta.
Completamente endividado, o mineiro de Itanhandu recebeu, um dia a visita de um amigo. Juarez, que tinha acabado de ter um enfarte, era dono de uma das 25 granjas que havia na cidade. Não tinha mais condições de tocar seu negócio e ofereceu a granja ao amigo. Não era nada muito grande, mas havia 30 mil galinhas que botavam ovos todos os dias. A ideia era que ele ficasse com as galinhas e alugasse a granja.
Nascia ali o “rei do ovo”, como passaria a ser chamado mais de 30 anos depois. “Eu ainda não sabia, mas estar quebrado foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Nunca tinha lidado com o negócio de frango e ovos, mas resolvi aceitar. E aquilo tudo que eu tinha passado foi uma escola para mim. Dei meu Uno, meu caminhão financiado e peguei a granja. Na época, disseram que eu era doido, que aquilo jamais daria certo.”
Aos trancos e barrancos, o negócio foi avançando e finalmente vingou. Hoje, passados 34 anos, Leandro Pinto é dono e fundador do Grupo Mantiqueira, o maior produtor de ovos da América Latina.
Com unidades de produção em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso, a empresa emprega 2,3 mil funcionários. São mais de 11 milhões de galinhas poedeiras.
Neste ano, todas as atenções de Leandro Pinto estão voltadas para a nova granja que a empresa começou a erguer em Lorena, cidade paulista próxima de Aparecida. A unidade, orçada em R$ 100 milhões, deve ficar pronta no fim de 2022. “É um conceito novo. Nossas granjas novas não têm mais galinhas presas. Elas são criadas livres de gaiola. Assim, ficam menos estressadas”, diz ele. Tudo deve funcionar com viés ecológico, envolvendo energia gerada por painéis solares e transporte em caminhões elétricos.
O “rei do ovo”, que três décadas atrás andava de Uno para todo lado, hoje utiliza um jato particular para trabalhar e visitar as unidades da empresa. “Às vezes, vou de helicóptero, também”, conta.