21/03/2023 – 21:53  

A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Maria Juliana Corrêa, admitiu a falta de dados oficiais sobre os efeitos, na saúde humana, da contaminação de água, solo, ar e alimento por rejeitos de minério de ferro após o crime socioambiental de Mariana (MG).

Ela representou o ministério nesta terça-feira (21) em audiência pública da comissão externa da Câmara que trata da fiscalização de barragens. A tragédia ocorreu em 2015, matou 19 pessoas e deixou um lastro de contaminação ao longo da bacia do Rio Doce entre Minas Gerais e Espírito Santo. Segundo Maria Juliana, muitos estudos enfrentaram travas judiciais, que ela espera ver superadas com a repactuação dos acordos de reparação em curso.

“No caso da saúde, são trabalhos que vão iniciar. Eu lamento ter que dizer isso porque acho muito dramático. Em relação a Mariana, por exemplo, passaram-se sete anos e meio e a gente ainda não tem um consolidado do contingente de pessoas que foram atingidas, dos efeitos à saúde e das consequências a curto, médio e longo prazos”, disse.

Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Rogério Correia (C) está preocupado com o risco de corte de recursos para assessoria dos atingidos

Maria Juliana informou que, assim que for autorizado, o monitoramento da saúde da população dos 48 municípios atingidos pelo crime de Mariana será feito pela Fiocruz. O deputado Padre João (PT-MG) sugeriu uma força-tarefa para recuperar o tempo perdido. Apesar de concordar com estratégia, a representante do Ministério da Saúde lembrou que uma força-tarefa já atua na tragédia humanitária dos Yanomami, em Roraima, e que o órgão herdou limites de pessoal e de orçamento que estão sendo equacionados pelo novo governo federal.

“Com certeza, não trabalharemos com a omissão desse crime nem com a omissão dos registros de adoecimento”, garantiu. “Mas isso exige que a gente organize uma estrutura que a gente ainda não tem para fazer frente a todas as necessidades”.

A pesquisadora da Fiocruz Zélia Profeta defendeu o fortalecimento de uma rede de diagnóstico e de acompanhamento da população diante das evidências de adoecimento dos atingidos pela lama tóxica. O Movimento dos Atingidos por Barragens pediu um protocolo especial de atendimento às famílias no Sistema Único de Saúde (SUS).

Brumadinho
A audiência também ouviu representantes dos 26 municípios da bacia do rio Paraopeba atingidos pelo rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho. O crime ocorreu em janeiro de 2019 e deixou mais de 270 mortos. Morador de Brumadinho, Marcos Rezende definiu a situação da cidade como caótica diante dos efeitos à saúde mental e da permanência de metais pesados espalhados por enchentes.

“Problemas como ansiedade, depressão, várias tentativas de autoextermínio, além de problemas de pele e problemas respiratórios devido à poeira do minério de ferro. E a pessoa, se não estiver bebendo água intoxicada pela lama, está bebendo água intoxicada por produtos químicos, como o cloro”.

Nívea Alves contou a situação de 22 comunidades rurais de Cachoeira do Choro, às margens do rio Paraopeba, em Curvelo, a quase 200 quilômetros de Brumadinho.

“O crime não matou 272 pessoas. O crime continua acontecendo e matando pessoas todos os dias. O índice de autoextermínio e de depressão dentro de todas as comunidades é imenso: coisa que não existia nas áreas rurais e hoje começa a existir”, afirmou.

O drama dos atingidos foi traduzido em números por assessorias técnicas independentes. Coordenadora da Associação de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Yasmin Vieira citou o resultado de estudo sobre contaminação ambiental e riscos à saúde em Brumadinho.

“Identificamos potencial risco à saúde humana por ingestão de água subterrânea com concentração de metais pesados em 19% do total das nossas amostras. Sobre a qualidade do ar, uma das coletas apontou que a concentração de partículas inaláveis estava 480% a mais do que o valor de referência”, apontou.

Yasmin também comparou os atendimentos do SUS na cidade entre 2018, antes da tragédia, e 2019, após o rompimento da barragem. “Só em saúde mental, o número de procedimentos ambulatoriais aumentou 60% de um ano para o outro. Os casos de dengue foram 40 vezes maiores e os casos de contaminação exógena também aumentaram”.

Em cidades vizinhas – como Betim, Mário Campos, Juatuba, São Joaquim de Bicas e Igarapé –, foram registrados agravamento de doenças crônicas e inflamatórias; aumento dos casos de dermatites, danos respiratórios e gastrointestinais; além de depressão e síndrome do pânico. Também há suspeitas de infecções por superbactérias resistentes a antibióticos em várias cidades.

Recursos
O coordenador da comissão externa, deputado Rogério Correia (PT-MG), manifestou preocupação com o risco de corte de recursos para as assessorias técnicas dos atingidos, garantidas nos acordos de reparação do crime de Brumadinho. O deputado vai cobrar esclarecimentos ao Ministério Público em reunião marcada para 10 de abril.

“Nós aprovamos requerimento solicitando informações das instituições de Justiça sobre este corte para as assessorias técnicas independentes e, se for o caso, vamos realizar audiência pública para colocar publicamente esses gastos, já que me parece muito grave. Inviabilizar o trabalho das assessorias técnicas independentes não pode fazer parte de nenhum acordo”, defendeu.

Segundo Correia, os riscos à saúde humana continuam elevados em Mariana e Brumadinho diante da não reparação dos danos ambientais.

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Ana Chalub